segunda-feira, julho 24, 2006

PARA RELAXAR OU NÃO

E A TERRA MORREU DE AMOR
(Cardall Pires)
Quando aquela indiferença absoluta
tomar conta do meu rosto,
quero não ter sido infiel,
para que não me neguem a terra.
Ela foi o único paraíso
que conheci.
E jamais sonhei além
dos seus limites

Nada devo,
muito amei.
E meu amor foi todo dela:
de suas praias e cachoeiras,
de suas estrelas e seus mares,
de seu céu e seus desertos,
de seus jardins e pássaros,
de seus campos e cidades,
de seus bichos e florestas,
de suas lendas e suas crianças,
de seus homens e mulheres.

Meu destino a ela pertenceu.
Nunca quis ser anjo,
amei ser homem.
Muito aprendi,
porque muito errei.
Errei porque fui errante:
pássaro sem destino,
vento sem rumo,
crente sem religião,
bússola sem norte.

Caí muitas vezes:
de frio,
de sede,
de fome.
Levantei-me com a aurora,
aqueci-me com o sol,
saciei-me com a chuva,
alimentei-me da natureza.

Hoje, finalmente,
não vou ao jardim,
não existe mais jardim.
A solidão desses desertos,
a imensidão desse vazio,
a devastação reivindica
o minério,
o sal.
Eu, como Baudelaire,
Sou Flores do Mal.

Ninguém virá para esta cerimônia.
Não existe ninguém.
Não, hoje não é o dia do meu sepultamento.
Se retorno à terra,
É porque a amo.
Antes que ela morra,
antes que tudo que nela eu amei morra,
quero dedicar-lhe uma última poesia.

Quero ser sepultado
não em seu seio,
mas ao seu lado.
Para que eu possa testemunhar em seu favor,
perante o céu.

Para dizer, ao céu,
que ela soube amar e acolher
a sua obra,
a sua imagem e semelhança.
Amou tanto a essa imagem
como um dia,
lá como nos testemunham os gregos,
amou ao próprio céu.

Quero testemunhar que a terra morreu.
Mas morreu sublimemente.
Morreu porque foi traída por um amor.
Morreu de amor.

2 comentários:

Anônimo disse...

Valeu Xico Rocha, o poema é realmente muito bonito.
Alan

Anônimo disse...

Com este blog recheado de poesias, pensamentos, reflexões, à seleções do autor, fica difícil sair daqui.

Parabéns.

Mari