Da minha infância guardo grandes e bons momentos. De ascendência proleta, vivi todos os problemas que a falta de dinheiro pode proporcionar a um guri, sem no entanto me privar dos momentos bons que a vida oferecia. Vou narrar um destes momentos que até hoje guardo com carinho, e que por vezes me faz dar boas gargalhadas, o que acredito seja muito bom para a saúde.
Tudo aconteceu quando eu pré-adolescente morava no bairro da matinha, quando fui morar na matinha tive a felicidade de conhecer a família Carreira, o que me propiciou uma amizade sincera e que prezo até hoje, trata-se do meu amigo e cunhado Aderbal, além dos demais membros da familia. Pois bom, o que passa pela cabeça de dois moleques de um bairro periférico, que sem dinheiro sentem as mesmas necessidades dos rapazinhos que tem dinheiro? vejam que aqui faço a distinção entre moleque e rapazinho, é que aprendi com minha mãe que garoto com dinheiro é rapazinho, sem, é moleque. Então, numa daquelas ensolaradas tardes, estávamos empinando papagaio, quando de longe ouvimos o alarido da molecada. Era um movimento que conduzido por um palhaço numa enorme perna-de-pau gritando palavras de ordem, dizia: “hoje tem espetáculo?” E a gurizada respondia, “tem sim sinhô!” e novamente o palhaço bradava “é as oito da noite?” e novamente o coro de guri respondia, “é sim sinhô! E o palhaço, “e o palhaço o que é?” e a gurizada, “é ladrão de mulher.” E o palhaço aproveitava para anunciar o grande momento do circo, que era a apresentação do maior trapezista do mundo, o Baby Junior, e na época eu nem me tocava para a redundância do nome, Baby Junior. E neste ledo caminhar, a petizada não só se divertia como também garantia sua entrada para o espetáculo, pois quem acompanhasse o palhaço, nesta fantástica forma de mídia, dentro das possibilidades do carente circo, tinha entrada garantida por um sinal que era feito no braço esquerdo do moleque, com uma tinta de carimbo, na verdade era uma espécie de carimbo. Agora vou falar do circo. Ele se denominava “EL GRAN CIRCO REAL”, e estava instalado em um local privilegiado. Para os que não conheceram o bairro da Matinha nos seus áureos tempos, ali onde hoje está erguido o Santuário de Fátima, era na verdade um morrote, cercado de mato e vala, e ali os circos que visitavam a cidade se estabeleciam para suas apresentações. Mas deixemos de pormenores. Após nossa Via-Sacra, sim porque eu e o Aderbal seguimos o cortejo para garantirmos também nossos ingressos, fomos carimbados no braço com o nosso passe livre para adentrarmos o espetáculo, restava-nos agora, dar uma de malabarista na hora do banho, para que o “carimbo” não se apagasse, e assim estivéssemos aptos a sermos platéia. Tomadas as providências tipo banho janta e etc... lá seguimos nós para o circo, era cerca de sete da noite e a fila já se fazia grande, após aquela espera recheada de muita molecada, coisas como dá tapa na cabeça de outros moleques, ou levar, dar vaias em que cometia alguma sandice, jogar areia nos outros, as portas se abrem, e não precisa dizer que nós, os moleques da Via-Sacra, tínhamos lá alguns privilégios, tínhamos os lugares dos poleiros bem perto do picadeiro. Após estarmos devidamente assentados e comendo pipocas, eis que se abrem as cortinas, e o espetáculo é iniciado, entram os anões, não sei porque mais todos os circos tinham, ou melhor, tem que ter anões como palhaços, em seguida o mágico, que fazia desaparecer dinheiro, e alongava as baganas de cigarros, e os malabaristas que com seus malabares nos deixavam atônitos. O tempo passava e todos nós na grande expectativa, para vermos o grande momento, a apresentação do maior trapezista do mundo, o grande e inigualável Baby Junior. Eis que ao som do mambo numero 5, de Perez Prado, faz se anunciar o grande momento, e então a platéia ensandecida dava gritos aplaudia, enfim fazia a maior algazarra, sem no entanto ter visto ainda o grande artista da noite, então as cortinas se abrem e eis que Baby Junior surge no bom e veloz estilo circense, correndo em circulo pelo picadeiro, senti então um certo espanto... é que a figura do Baby, não me era estranha, tratava-se do pico... é isso mesmo para mim ele era o pico, e não era ninguém menos, que o filho da tapioqueira do bairro, que trajando uma bermuda feita a partir de uma calça do uniforme de instrução da Aeronáutica, se preparava para dar inicio a seu tão espetacular número no trapézio. O picarpe (o boca de ferro) faz soar então o mambo jambo e Baby ou melhor o Pico se dirige para uma corda que estava estrategicamente colocada embaixo do trapézio número 1... é isso ele iria saltar do trapézio 1 para o trapézio 2, simples né?... nem tanto, ele o fará vendado, é isso mesmo, será colocada uma venda nos olhos do Baby Junior “Pico,” tal era sua habilidade no trapézio, começa então a saga do Baby Junior “Pico,” logo nos primeiros movimentos, apesar do meu profundo desconhecimento da arte circense, senti que faltava... digamos que uma certa habilidade no trapezista, mas tudo bem acreditei fazer parte do show, mas Baby Junior sentia uma certa dificuldade para ascender até o trapézio via corda, e apesar de muito empenho e tentativas, senti que ele não tinha lá muito traquejo para tal empreitada, ele se esforçou bastante convenhamos, mas não conseguia atingir nem mesmo um metro além do solo, e a galera já demonstrando inquietação gritava e apupava o nosso herói, que já um tanto quanto suado, teve que se fazer valer de uma providencial escada que adentrou o picadeiro conduzida de forma hilária pelos anões da trupe, aí sim podemos sentir um pouco mais de firmeza nos movimentos de Baby Junior, que vez por outra, ainda assim dava umas espiadas para baixo, venhamos e convenhamos eram umas espiadas meio que de apavoro.
Enfim Baby Junior alcança o seu objetivo, o trapézio 1, então é escalado um dos anões, que após várias pantomimas chega até onde está nosso bravo artista lá no alto, e coloca no mesmo uma das partes importantes do show, a venda, aí sim nosso herói devidamente vendado, seguro no trapézio em posição para saltar, é ajudado por uma corda que a partir de baixo, o faz balançar de um lado para o outro, dada a inaptitude do nosso herói para efetuar sozinho o complicado movimento, agora embalado tanto pela corda, como pelo som do mambo La Macarena, de Perez Prado, acho que por isso até hoje sou fã de Perez Prado, nosso artista começa a se movimentar de um lado para o outro com a intenção de se deslocar do trapézio 1 para o 2, e então tchã tchã, um grito se faz ecoar pelas bocas de ferros, um, dois, tres e JÁ, e Baby Junior se atira no espaço, a platéia aplaudia e de forma esfuziante delirava com o vôo de Baby Junior, que num imperdoável erro de calculo, passa a pelo menos meio metro distante do trapézio 2, o que faz com que nosso herói se transforme momentâneamente numa espécie de super-homem, e o vemos voando rumo a parte externa do circo que era destes sem coberta, então boa parte da molecada, inclusive eu e o Aderbal corremos para fora para ver o que ocorria lá, e quando chegamos conseguimos ver parte do estrago, o Baby Junior caiu sobre o carro do raspa- raspa, para quem não os conheceu descreverei de forma sucinta, era um carro de mão em forma de canoa, com um mastro de onde saiam diversas bandeirinhas, que serviam para ornamentar e dar mais destaque no negócio, o vendedor de raspa-raspa tinha como instrumento de trabalho uma maquineta com a qual ele raspava o gelo para colocar no copo com o suco, então quando chegamos perto do vendedor ele meio contundido, pois o impacto do encontro de Baby Junior com o carro, destruiu a ornamentação, quebrou várias garrafas de suco, e o mais grave, o preiá, assim se chamava o nosso amigo que vendia raspa- raspa, tinha perdido a maquineta de raspar o gelo, é que o carro tinha caído numa vala. Mais como o espetáculo não pode parar, e ao som de Perez Prado, o mestre de cerimônia do circo anunciava aguardem Baby Junior vem aí, ele voltará, e nós que ouvíamos tudo lá de fora conseguimos ver o nosso Baby Junior surgindo de dentro do valado, onde ele tinha se aupuado, todo sujo, com umas caretas de quem estava sentido algumas dores, e com aquele conhecido gesto de cotoco nos dedos dizendo: “é o caralho que volta.” O tempo tem passado e sempre que encontro Baby Junior lhe pergunto: “e aí trapezista?” ele mais que prontamente responde: “é o caralho.”
Quanto ao nosso amigo Preiá, até hoje não sei se o mesmo achou seu raspador de gelo.
Tudo aconteceu quando eu pré-adolescente morava no bairro da matinha, quando fui morar na matinha tive a felicidade de conhecer a família Carreira, o que me propiciou uma amizade sincera e que prezo até hoje, trata-se do meu amigo e cunhado Aderbal, além dos demais membros da familia. Pois bom, o que passa pela cabeça de dois moleques de um bairro periférico, que sem dinheiro sentem as mesmas necessidades dos rapazinhos que tem dinheiro? vejam que aqui faço a distinção entre moleque e rapazinho, é que aprendi com minha mãe que garoto com dinheiro é rapazinho, sem, é moleque. Então, numa daquelas ensolaradas tardes, estávamos empinando papagaio, quando de longe ouvimos o alarido da molecada. Era um movimento que conduzido por um palhaço numa enorme perna-de-pau gritando palavras de ordem, dizia: “hoje tem espetáculo?” E a gurizada respondia, “tem sim sinhô!” e novamente o palhaço bradava “é as oito da noite?” e novamente o coro de guri respondia, “é sim sinhô! E o palhaço, “e o palhaço o que é?” e a gurizada, “é ladrão de mulher.” E o palhaço aproveitava para anunciar o grande momento do circo, que era a apresentação do maior trapezista do mundo, o Baby Junior, e na época eu nem me tocava para a redundância do nome, Baby Junior. E neste ledo caminhar, a petizada não só se divertia como também garantia sua entrada para o espetáculo, pois quem acompanhasse o palhaço, nesta fantástica forma de mídia, dentro das possibilidades do carente circo, tinha entrada garantida por um sinal que era feito no braço esquerdo do moleque, com uma tinta de carimbo, na verdade era uma espécie de carimbo. Agora vou falar do circo. Ele se denominava “EL GRAN CIRCO REAL”, e estava instalado em um local privilegiado. Para os que não conheceram o bairro da Matinha nos seus áureos tempos, ali onde hoje está erguido o Santuário de Fátima, era na verdade um morrote, cercado de mato e vala, e ali os circos que visitavam a cidade se estabeleciam para suas apresentações. Mas deixemos de pormenores. Após nossa Via-Sacra, sim porque eu e o Aderbal seguimos o cortejo para garantirmos também nossos ingressos, fomos carimbados no braço com o nosso passe livre para adentrarmos o espetáculo, restava-nos agora, dar uma de malabarista na hora do banho, para que o “carimbo” não se apagasse, e assim estivéssemos aptos a sermos platéia. Tomadas as providências tipo banho janta e etc... lá seguimos nós para o circo, era cerca de sete da noite e a fila já se fazia grande, após aquela espera recheada de muita molecada, coisas como dá tapa na cabeça de outros moleques, ou levar, dar vaias em que cometia alguma sandice, jogar areia nos outros, as portas se abrem, e não precisa dizer que nós, os moleques da Via-Sacra, tínhamos lá alguns privilégios, tínhamos os lugares dos poleiros bem perto do picadeiro. Após estarmos devidamente assentados e comendo pipocas, eis que se abrem as cortinas, e o espetáculo é iniciado, entram os anões, não sei porque mais todos os circos tinham, ou melhor, tem que ter anões como palhaços, em seguida o mágico, que fazia desaparecer dinheiro, e alongava as baganas de cigarros, e os malabaristas que com seus malabares nos deixavam atônitos. O tempo passava e todos nós na grande expectativa, para vermos o grande momento, a apresentação do maior trapezista do mundo, o grande e inigualável Baby Junior. Eis que ao som do mambo numero 5, de Perez Prado, faz se anunciar o grande momento, e então a platéia ensandecida dava gritos aplaudia, enfim fazia a maior algazarra, sem no entanto ter visto ainda o grande artista da noite, então as cortinas se abrem e eis que Baby Junior surge no bom e veloz estilo circense, correndo em circulo pelo picadeiro, senti então um certo espanto... é que a figura do Baby, não me era estranha, tratava-se do pico... é isso mesmo para mim ele era o pico, e não era ninguém menos, que o filho da tapioqueira do bairro, que trajando uma bermuda feita a partir de uma calça do uniforme de instrução da Aeronáutica, se preparava para dar inicio a seu tão espetacular número no trapézio. O picarpe (o boca de ferro) faz soar então o mambo jambo e Baby ou melhor o Pico se dirige para uma corda que estava estrategicamente colocada embaixo do trapézio número 1... é isso ele iria saltar do trapézio 1 para o trapézio 2, simples né?... nem tanto, ele o fará vendado, é isso mesmo, será colocada uma venda nos olhos do Baby Junior “Pico,” tal era sua habilidade no trapézio, começa então a saga do Baby Junior “Pico,” logo nos primeiros movimentos, apesar do meu profundo desconhecimento da arte circense, senti que faltava... digamos que uma certa habilidade no trapezista, mas tudo bem acreditei fazer parte do show, mas Baby Junior sentia uma certa dificuldade para ascender até o trapézio via corda, e apesar de muito empenho e tentativas, senti que ele não tinha lá muito traquejo para tal empreitada, ele se esforçou bastante convenhamos, mas não conseguia atingir nem mesmo um metro além do solo, e a galera já demonstrando inquietação gritava e apupava o nosso herói, que já um tanto quanto suado, teve que se fazer valer de uma providencial escada que adentrou o picadeiro conduzida de forma hilária pelos anões da trupe, aí sim podemos sentir um pouco mais de firmeza nos movimentos de Baby Junior, que vez por outra, ainda assim dava umas espiadas para baixo, venhamos e convenhamos eram umas espiadas meio que de apavoro.
Enfim Baby Junior alcança o seu objetivo, o trapézio 1, então é escalado um dos anões, que após várias pantomimas chega até onde está nosso bravo artista lá no alto, e coloca no mesmo uma das partes importantes do show, a venda, aí sim nosso herói devidamente vendado, seguro no trapézio em posição para saltar, é ajudado por uma corda que a partir de baixo, o faz balançar de um lado para o outro, dada a inaptitude do nosso herói para efetuar sozinho o complicado movimento, agora embalado tanto pela corda, como pelo som do mambo La Macarena, de Perez Prado, acho que por isso até hoje sou fã de Perez Prado, nosso artista começa a se movimentar de um lado para o outro com a intenção de se deslocar do trapézio 1 para o 2, e então tchã tchã, um grito se faz ecoar pelas bocas de ferros, um, dois, tres e JÁ, e Baby Junior se atira no espaço, a platéia aplaudia e de forma esfuziante delirava com o vôo de Baby Junior, que num imperdoável erro de calculo, passa a pelo menos meio metro distante do trapézio 2, o que faz com que nosso herói se transforme momentâneamente numa espécie de super-homem, e o vemos voando rumo a parte externa do circo que era destes sem coberta, então boa parte da molecada, inclusive eu e o Aderbal corremos para fora para ver o que ocorria lá, e quando chegamos conseguimos ver parte do estrago, o Baby Junior caiu sobre o carro do raspa- raspa, para quem não os conheceu descreverei de forma sucinta, era um carro de mão em forma de canoa, com um mastro de onde saiam diversas bandeirinhas, que serviam para ornamentar e dar mais destaque no negócio, o vendedor de raspa-raspa tinha como instrumento de trabalho uma maquineta com a qual ele raspava o gelo para colocar no copo com o suco, então quando chegamos perto do vendedor ele meio contundido, pois o impacto do encontro de Baby Junior com o carro, destruiu a ornamentação, quebrou várias garrafas de suco, e o mais grave, o preiá, assim se chamava o nosso amigo que vendia raspa- raspa, tinha perdido a maquineta de raspar o gelo, é que o carro tinha caído numa vala. Mais como o espetáculo não pode parar, e ao som de Perez Prado, o mestre de cerimônia do circo anunciava aguardem Baby Junior vem aí, ele voltará, e nós que ouvíamos tudo lá de fora conseguimos ver o nosso Baby Junior surgindo de dentro do valado, onde ele tinha se aupuado, todo sujo, com umas caretas de quem estava sentido algumas dores, e com aquele conhecido gesto de cotoco nos dedos dizendo: “é o caralho que volta.” O tempo tem passado e sempre que encontro Baby Junior lhe pergunto: “e aí trapezista?” ele mais que prontamente responde: “é o caralho.”
Quanto ao nosso amigo Preiá, até hoje não sei se o mesmo achou seu raspador de gelo.
São lembranças de um tempo passado, cheio de boas recordações.
2 comentários:
E aí Rocha?!
És o famigerado Baby Junior?!
Um abraço,
locopanda
Muito engraçado,eu vim aqui realmente querendo saber do maior trapezista do mundo,mas ao invés disso achei uma boa história que alegrou muito meu dia,obrigado.
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