quarta-feira, julho 19, 2006

BALZAQUIANAS

Sou possuidor de muitos amigos que embora já vivam a madurez, insistem e teimam em se sentirem assim como diria D. Rita (minha mãe) uns garnisés.
Quando na pré-adolescência e já na própria adolescência, tive algumas experiências com balzaquianas, que foram do platônico ao carnal. Talvez por isto mesmo, sempre tive bons olhos para estas figuras.
Lendo um pequeno livro do escritor Affonso Romano de Sant' Anna,"Que presente te dar."
Encontro uma verdadeira "ode" às maduras.
Com o intuito de tentar sensibilizar estes senhores para que despertem seus olhares para tão nobres criaturas, transcrevo este artigo:
A MULHER MADURA
O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.
De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso e esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.
Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites do seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim desborda.
A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.
A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.
A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia.
Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.
A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.
O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.
Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre , mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de um marrom tristeza.
Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.
Cada idade tem seu esplendor. É um equivoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor de seu próprio corpo.
A mulher madura está pronta para algo definitivo. Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com um complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidade. Por isto pode- se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram do seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.
A mulher madura é um ser luminoso e repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro como Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.
Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem souber amar.
(Affonso Romano de Sant’ Anna)

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